sábado, 13 de junho de 2009

Cronologia de uma matança anunciada



Na manhã de ontem, quinta-feira, 11 de junho, cerca de 300 pessoas se reuniram na embaixada do Peru em Caracas, Venezuela, para protestar contra o massacre de dezenas de indígenas na Amazônia peruana. O movimento, que integra Aporrea, a Comunidade Peruana Residente na Venezuela, o Centro de Estudos Sociais José Carlos Mariátegui, a Marea Socialista, o Coletivo de Trabalhadores em Revolução e a Frente Comunal Simon Bolívar, serviu de resposta a atual política do governo de Alan García contra os povos indígenas que vivem na Amazônia deste país acossados por recentes decretos legislativos que representam uma agressão à soberania dos povos originários da Amazônia.
O movimento ainda denunciou a maneira racista como vem tratando do assunto os veículos de comunicações peruanos e internacionais e ainda plantou uma série de reivindicações, entre elas, o julgamento político e penal ao presidente Alan García, sob a denúncia de agressão aos Direitos Humanos, derrogatória imediata dos decretos de leis “Antiamazônicos”, cesse imediato ao Toque de Recolher na região de Bagua, indenização aos familiares das vítimas do massacre, eleições para uma Assembléia Constituinte, por uma nova Constituição soberana, descentralista, democrática e patriótica, fim da criminalização das lutas amazônicas e sociais, assim como a liberdade dos companheiros lutadores do povo indígena peruano, inclusive o seu dirigente Alberto Pizango.

>A manifestação em Caracas acontece no mesmo dia em que manifestações em todo o mundo marcam um dia de lutas pela solidariedade com os povos indígenas amazônicos. No Peru, manifestações por todo o país marcaram o dia de ontem. Em Lima, cerca de cinco mil manifestantes tomaram as ruas e foram duramente reprimidos pela polícia.
Desde Venezuela, onde o governo do presidente Hugo Chávez, todavia não se pronunciou, as organizações sociais vêm tocando o debate de fundo sobre a situação no Peru. Frente à crise econômica mundial, os ataques ao povo devem ser intensificados pelos governos pró-capitalistas, como única forma de salvar o sistema econômico da burguesia. Frente a isso, a reação popular deve ser também intensificada. Assim se faz urgente a solidariedade e uma especial atenção aos movimentos de resistência no Peru, que constituem, portanto, para dizer o mínimo, uma fagulha de um processo de transformação refletida na ira de um povo contra um sistema, traduzido em RESISTENCIA POPULAR.
A luta no Peru vai mais longe ainda, por se tratar da luta dos povos originários da Amazônia, povos estes que ao longo da história de colonização de nossa América, foram massacrados, expulsos de suas terras, assassinados mais de centenas de vezes pelas diversas formas de colonização de nossos povos. É uma tarefa e uma responsabilidade da esquerda internacional, e ainda mais de nós latino-americanos apoiar a luta do povo peruano, por uma outra sociedade.


Foi exatamente por isso, que as recentes declarações do presidente fascista do Peru, o senhor Alan García, faziam ataques severos aos presidentes da Bolívia, Evo Morales, e da Venezuela, Hugo Chávez. O temor: que diante da crise, o povo se desperte para a construção de uma nova sociedade governada para o povo e desde o próprio povo.
Junto com a convocatória para o ato de ontem, as organizações apresentaram uma pequena cronologia que explica um pouco dos últimos acontecimentos que culminaram no massacre de dezenas de indígenas no último dia 5.

Cronologia de uma matança anunciada

Novembro de 2007:
Alan García publica no “prestigioso” diário “O Comércio” seus inteligentes artigos “el perro del hortelano” e “el perro del hortelano reloaded”, onde o nosso supremo presidente diz:
“O primeiro recurso é a Amazônia. Tem 63 milhões de hectares e chuva abundante. Nela, se pode fazer florestação madeireira especialmente nos 8 milhões de hectares destruídos, mas para isso se necessita propriedade, quer dizer, um terreno seguro sobre 5.000, 10.000 ou 20.000 hectares, pois em menos terreno não há investimento formal de longo prazo e de alta tecnologia.
Agora só existem as concessões que dependem da vontade do Governo e do funcionário que pode modificá-las. Por isso ninguém investe nem cria um posto de trabalho por cada dois hectares como deveria ser; nem há elaboração da madeira e exportação de móveis. Em sua maioria, essas concessões rapinas só têm servido para tirar a madeira mais fina, desflorestar e abandonar o terreno.
Pelo contrário, a propriedade formal por grandes empresas coletivas como os fundos de pensões permitiria fazer investimentos de longo prazo desde a semeadura até a colheita anos depois.
Os que se opõem dizem que não se pode dar propriedade na Amazônia (e por que sim na consta e na serra). Dizem também que dar propriedade de grandes lotes daria lucros a grandes empresas, claro, mas também criaria milhares de empregos formais para peruanos que vivem nas zonas mais pobres”.
Alguma menção aos povos indígenas? Não há, seguimos na época da seringa ao parecer...
12 de dezembro de 2007, García pede ao Congresso faculdades para legislar (por decretos legislativos) temas referentes à implementação do TLC (Tratado de Livre Comércio). Atenção que, segundo a Constituição Peruana, quando se pede faculdades para legislar, estas são específicas, e só se pode legislar sobre a matéria que se estabelece, nesse caso, o TLC.
19 de dezembro de 2007, o Congresso, como sempre tão rápido e eficiente, lhe concede as faculdades, artigo 2: o conteúdo desses decretos se limitará ao que concerne ao TLC. As faculdades são por seis meses.
28 de julho de 2008, ou seja, um pouco antes que se acabe o prazo para legislar, lança uma quantidade de Decretos Legislativos. Alguns regulavam até o tema das universidades, definitivamente muito que ver com o TLC...
Setembro e agosto de 2008, começam as paralisações dos povos indígenas, contra esses decretos.
Agosto de 2008, paralisação dos povos indígenas (AIDESEP agrupa a 1350 comunidades nativas): o Congresso derrogou o D.L. 1015 (a lei da selva, que permitia comprar, com o acordo de três pessoas, toda a propriedade da comunidade. Também a Defensoria apresentou uma demanda de inconstitucionalidade contra este D.L.) e o D.L. 1073. Javier Velazquez Quesquén, deputado do partido de García, o PARA, disse que conformará uma comissão para avaliar os Decretos Legislativos.
Dezembro de 2008, a comissão do Congresso apresentou seu informe, mas Quesquén disse que o apresentará no dia primeiro de fevereiro, já que os congressistas estavam de férias.
1 de fevereiro de 2009, chegou o dia do prazo, Quesquén não se pronunciou.
12 de março, AIDSEP envia cartas a Velásquez Quesquén lembrando qual havia sido seu compromisso.
9 de abril, não há resposta alguma da autoridades (já passou um mês desde o envio das cartas!!! Já passaram três meses desde que Quesquén se comprometeu a apresentar o informe!!!). Os líderes (atenção, não somente Pizango, cada comunidade tem um chefe que a representa) concordam em iniciar uma paralisação, mas restrita ao interior de suas comunidades.
18 de abril, em vista que ninguém fez caso das reivindicações – em uma entrevista Simón, o primeiro ministro do governo de Alan García, qualificou as demandas dos povos indígenas como caprichos – o movimento decide radicalizar o protesto.
20 de abril, se reúnem na Presidência do Conselho de Ministro. Simón se comprometeu com AIDESEP a formar uma comissão multi setorial (poder executivo e AIDESEP), mas diante da imprensa Simon diz que assinará a resolução para essa comissão multi setorial quando se levando a paralisação.
24 de abril, Quesquén diz que irá apresentar o informe da comissão multipartidária (o mesmo informe que deveria ser colocado para debate no dia 1 de fevereiro, porque em janeiro os congressistas estiveram de férias), mas... mas... mas antes deveria ser aprovado pela junta de porta-vozes... a junta de porta-vozes não a aprovou em totalidade.
Ultima semana de abril, Tarapoto y Yurimaguas se unem à paralisação.
9 de maio, o governo declara em emergência distritos amazônicos de 5 regiões do Peru. Estado de emergência: em caso de perturbação à paz ou à ordem interna, de catástrofe ou de graves circunstâncias que afetem à vida da NAÇÃO... (isso diz a constituição, bem claro, QUE AFETE A VIDA DA NAÇÃO).
11 e 13 de maio, Pizango se reúne com Simon. Não chegam a nenhum acordo. Simón diz que Pizango fala em castelhano, mas por telefone, se dirige “aos nativos” em seu “dialeto” (não sabe um primeiro ministro a diferença entre dialeto e idioma?)
15 de maio, Pizango fala do direito à insurgência.
16 de maio, Alan diz: “a selva é de todos os peruanos e não somente de um grupo” (não sabe por acaso o que implica o direito à propriedade e da posse? Não sabe que muitos povos têm títulos de propriedades desde os anos 70? Recordamos a ele o que o Código Civil diz sobe o direito à propriedade: “é o poder jurídico que permite usar, disfrutar, dispor e reivindicar um bem. Deve exercer em harmonia com o interesse social e dentro dos limites da lei”). Esse mesmo dia os dirigentes se reúnem com a Defensoria do Povo e anunciam que o protesto será dentro do Estado de Direito.
19 de maio, o D.L. 1090 (lei florestal e de fauna silvestre) é declarado inconstitucional pela comissão do Congresso, sua derrogatória agora tinha que ser DEBATIDA (atenção, não somente votada) pela totalidade do Congresso.
22 de maio, a tia Charo (Rosario Fernándes) denuncia a Pizango por incitar a rebelião, a sedição e a conspiração e diz: “escutamos os argumentos do senhor Pizango e não parecem de um nativo desprevenido”.
4 de junho: deliberadamente suspenderam o debate da derrogatória: Mulder, dirigente do PARA interpôs uma questão prévia para suspender o debate e a votação sobre essa lei até que a comissão multi setorial (sim, a mesma de Simon com os indígenas, que desde 13 de maio está parada), remita um informe sobre os decretos questionados. Nesse mesmo dia a Defensoria do Povo apresenta uma demanda de inconstitucionalidade: o D.L. 1064 vulnera os direitos constitucionais de propriedade da terra e de consulta prévia dos povos indígenas.
5 de junho: 369 “efetivos” da DINOES (Direção Nacional de Operativos Especiais) completamente armados, mais pessoal das Forças Armadas (também super armados), vão levantar o protesto, tendo como conseqüência: 23 policiais mortos e mais de 40 indígenas mortos e 120 desaparecidos. Sai então o chefe da Polícia a dizer que como “os nativos estão usando armas”, isso demonstra a infiltração. Conclusão de seu raciocínio: como são indígenas, não podem usar armas (seu cérebro não dá para tanto) e devem ser desprevenidos.



Leonardo Fernandes
Jornalista Alternativo
Desde Caracas, Venezuela, 12 de junho de 2009.

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