segunda-feira, 19 de novembro de 2007

OBJETIVIDADE E PARCIALIDADE NA OBRA JORNALÍSTICA DE KARL MARX

Leonardo Fernandes
Resumo

O presente artigo apresenta conceitos fundamentais ao entendimento do jornalismo como uma forma específica de produção ideal. Através do desenvolvimento do pensamento materialista histórico do filósofo alemão Karl Marx, sua teoria apresenta para este estudo as formulações acerca da determinação social do pensamento e do caráter ativo das formações ideais. Tais concepções serão determinantes para se exercer uma releitura de conceitos essenciais ao jornalismo: objetividade e parcialidade. Tais conceitos, pensados à luz do pensamento marxiano servirão de parâmetros para a análise final da obra jornalística desenvolvida por Karl Marx entre os anos de 1848 a 1852 sobre o processo revolucionário da burguesia alemã no primeiro ano referido.

Abstract

The present article introduces the fundamental concepts to the understanding of the journalism as a specific form of ideal production. Through the development of the materialistic historical thought of the German philosopher Karl Marx, his theory presents for this study the formulations about the social determination of the thought and of the active character of the ideal formations. Such conceptions will be determinants for it exercises a reading over again of essential concepts to the journalism: objectivity and partiality. Such concepts, if it thoughts to the light of the Marxian thought will serve of parameters for the final analysis of the journalistic production developed by Karl Marx between the years 1848 to 1852 about the revolutionary process of the German bourgeois class in the first year referred.




Introdução

O presente trabalho representa o pensamento marxiano nos estudos da comunicação, e principalmente do jornalismo. A partir da crítica de Karl Marx à especulatividade na obra filosófica de Hegel e dos chamados neo-hegelianos, Marx, antes um idealista ativo, desenvolve seu pensamento próprio, a saber, o materialismo histórico, e desenvolve conceitos fundamentais ao entendimento da prática jornalística como uma forma específica de produção de conhecimento humano. Tais conceitos tratam-se da determinação social do pensamento humano e do papel ativo do pensamento.

O entendimento do jornalismo como uma forma específica de conhecimento humano é o que fundamenta a discussão no terreno do jornalismo de dois conceitos fundamentais à prática em questão: objetividade e parcialidade. Tais conceitos vêm sendo tratados de maneira inconsistente por alguns teóricos da comunicação, mesmo daqueles pretensamente simpáticos ao pensamento de Marx. O ponto de partida para a fundamentação do desenvolvimento conceitual em questão é o estudo realizado pelo professor Leônidas de Faria no texto intitulado Comunicação e Capitalismo: Reprodução e Combate em que o autor discute as abordagens acerca dos conceitos em questão, procurando estabelecer uma relação coerente com o pensamento de Marx sobre o processo de produção do pensamento.

Por fim, coube a analise final, duas publicações distintas reuniões de artigos de autoria de Marx, enquanto exercia o trabalho de jornalista. As primeiras publicações, mais tarde reunidas sob o título de A Burguesia e a contra-revolução, datam de 1848, e foram produzidos naquele mesmo ano para a Nova Gazeta Renana, periódico fundado e editado por Marx em Colônia, na Alemanha, em meio ao processo revolucionário que explodiu na Europa naquele mesmo ano. As publicações seguintes, mais tarde reunidas sob o título de Revolução e contra-revolução, foram produzidas três anos mais tarde, para o jornal norte-americano A Tribuna de Nova Iorque.

As duas publicações analisadas representam o exemplo de um jornalismo marcado por seu caráter ativo dentro do processo histórico em que se insere, determinado socialmente pelas condições materiais das respectivas circunstâncias e ainda oferece um produto acabado dos dois conceitos desenvolvidos neste estudo.

Crítica à especulação e determinação social do pensamento


O início do desenvolvimento do pensamento materialista histórico de Marx é marcado pela sua crítica à especulatividade no pensamento idealista de Hegel, já na introdução de sua incompleta e igualmente importante Crítica à filosofia do direito de Hegel. Antes um idealista ativo, Marx volta sua crítica ao caráter especulativo da referida produção, incluindo as teorizações dos chamados neo-hegelianos, a saber, Bruno Bauer, Edgar Bauer, Feuerbach, Szeliga, e Marx Stirner, e ao “socialista utópico” francês Proudhon.

A primeira percepção de Marx na filosofia idealista hegeliana foi o que o próprio Marx chamou de “inversão entre sujeito e predicado”, ou seja, para os idealistas, a atividade concreta, material, humana, nada mais é do que o produto acabado da idéia, do pensamento. Para Silvia Barbosa, “as efetividades, no caso, família e sociedade civil, segundo as próprias palavras de Marx, são determinantes como força motriz, o elemento atuante” (BARBOSA, 2001, p. 28). A objetividade, portanto, em Hegel, é posta como produto ou manifestação da consciência, da idéia.

“A condição torna-se o condicionado, o determinante o determinado, o produtor é posto como produto de seu produto” (MARX citado por BARBOSA, 2001, p. 28), ou seja, o que por Marx é reconhecido como a “condição”, o “determinante”, o “produtor”, isto é, a efetividade, a empiria, o fato empírico – todos termos utilizados pelo autor neste texto –, por Hegel é transformado misticamente em “condicionado”, “determinado” e “produto” da idéia ou do Espírito absoluto (BARBOSA, 2001, p. 28).

Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, escritos em 1844, Marx se ocupa em tecer críticas ao modo especulativo como a Filosofia Hegeliana concebe a produção material da vida humana e “detecta [o] verdadeiro “erro” da especulatividade hegeliana: o não reconhecimento do caráter sensível e objetivo do mundo e da natureza” (BARBOSA, 2001, p. 30), já que para Marx, o exato oposto ocorre. Na concepção marxiana[1], o pensamento não é senão o produto da atividade material humana, não podendo ser reduzido a um mero reflexo da atividade prática, já que ele também passa a orientar a práxis.

A posição assumida por Marx diante de Hegel passa a ser adotada em toda a sua produção datada do período de 1843 a 1848, conforme o estudo realizado pela professora de filosofia Silvia Barbosa.

As Teses de Feuerbach, escritas em 1845 mostram como Marx avança nas formulações acerca do materialismo histórico diante do materialismo de Feuerbach. Este é o único entre os neo-hegelianos a quem Marx dedica algum respeito. Feuerbach reconhece na realidade concreta, elementos que independem do pensamento, uma realidade sem obediência exata à idéia. No entanto, Feuerbach não reconhece esta atividade como prioritária diante do pensamento humano, nem sua relação de determinação e subjuntividade, e a concebe por um lado como existências em si mesmas, e por outro lado como intuídas pelo pensamento. Como em todo o “materialismo anterior” (VAISMAN, 1999, p. 253), Feuerbach

capta a realidade ou como objeto, coisa concreta exterior ao sujeito, ou como interioridade do sujeito, como conhecimento imediato, intuição. Mas, segundo Marx, o materialismo anterior não capta a realidade como “atividade humana sensível, práxis; não como forma subjetiva”, vale dizer, não capta a dimensão subjetiva da efetividade (VAISMAN, 1999, p. 253).


Nas Teses de Feuerbach Marx não só identifica o caráter especulativo daquele autor como concebe formulações acerca da “determinação da atividade sensível” (BARBOSA, 2001, p. 41) como atividade objetiva.

O principal defeito de todo o materialismo até aqui (incluído o de Feuerbach) consiste em que o objeto, a realidade, a sensibilidade, só é apreendido sob a forma de objeto ou de intuição, mas não como atividade humana sensível, como praxis, não subjetivamente (...). Feuerbach quer objetos sensíveis – realmente distintos dos objetos do pensamento: mas não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva (MARX citado por BARBOSA, 2001, p. 41).

Assim, Marx dedica parte de suas mordazes críticas aos neo-hegelianos, que por acreditarem na realidade sendo determinada pelo pensamento, bastava que se transformassem as idéias para que toda a realidade existente desaparecesse.

Neste mesmo momento da formação do seu pensamento, Marx também discute o caráter prático, ativo do pensamento humano, entendido que o desenvolvimento teórico possui em si o caráter prático dentro das circunstâncias atuais de desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, para Marx, sua própria produção teórica possui o caráter prático de recomendações efetivas, ainda que muito gerais, de intervenção prática, segundo as quais “(...) o poder material tem que ser derrocado pelo poder material, mas também a teoria transforma-se em poder material logo que se apodera das massas” (MARX citado por BARBOSA, 2001, p. 95).

Assim, a fundamentação de Marx acerca da determinação social do pensamento humano parte para o entendimento das formações ideais específicas, em que o autor trata de diversas formas específicas de formação de conhecimento humano, como a religião, o direito, a filosofia, a arte e a ciência. Em todas as suas asserções sobre os temas anteriormente apresentados, Marx procura destacar a determinação social destas, e seu caráter prático, ativo.

Ainda se atendo à produção de críticas às teorizações dos neo-hegelianos, Marx dá continuidade a suas formulações. Ao tratar da arte, por exemplo, expõe de maneira irônica a concepção do neo-hegeliano Marx Stirner sobre o tema:

Para o neo-hegeliano:

Um poeta nato pode muito bem ser impedido, devido a circunstâncias desfavoráveis (...)mas escreverá certamente, quer seja moço de quinta ou tenha sorte de viver na corte de Weimar. Um músico nato fará música; pouco importa saber se ele tocará todos os instrumentos (...) ou simplesmente a flauta de cana (...). Finalmente, um imbecil nato manter-se-á sempre um espírito tapado. (STIRNER citado por BARBOSA, 2001, p. 144)

Desta forma, Stirner desconsidera os fatores materiais pelos quais os artistas estão condicionados, permitindo a Marx o uso de sua peculiar ironia para fazer considerações a este respeito:

Sancho [Stirner] escolheu mais uma vez o seu exemplo com a habitual falta de jeito. Admitamos por um instante a sua idéia absurda de poetas, músicos, filósofos, natos; por um lado, o seu exemplo limita-se a provar que um poeta nato, etc., etc., permanece aquilo que é de nascença, quer dizer, poeta, etc.; por outro lado, demonstra que o poeta nato, etc., etc., na medida em que está sujeito a um devir, a uma evolução, pode não vir a ser aquilo que poderia vir a ser, ‘devido a circunstâncias desfavoráveis’. Portanto, o seu exemplo não demonstra, por um lado, absolutamente nada e, por outro, demonstra o contrário daquilo que deveria demonstrar, acabando por provar em ambos os casos que Sancho, por nascença ou devido a circunstâncias, pouco importa, faz parte da ‘classe mais numerosa da humanidade’. Em compensação, ele partilha com ela (...) uma consolação: ser um ‘espírito tapado’ único” (MARX citado por BARBOSA, 2001, p. 145)

Ainda pensando a arte, e recordando as formulações sobre a emancipação do homem, cabe aqui reproduzir a passagem de A Ideologia Alemã, em que Marx discorre sobre a produção artística numa sociedade que tenha através do seu movimento histórico abolido a divisão do trabalho e a propriedade privada. Desta forma, o indivíduo

“(...) deixará de estar fechado nos limites de uma arte determinada, limites estes que fazem com que existam pintores escultores, etc., que são apenas isso, e o nome por si só basta para exprimir a limitação das possibilidades deste indivíduo e a sua dependência relativamente à divisão do trabalho. Numa sociedade comunista, já não existirão pintores mas sim pessoas que, entre outras coisas, farão pintura” (MARX citado por BARBOSA, 2001, p. 146).

Entendido a discussão proposta por Marx acerca da determinação social do pensamento, do seu caráter prático, ativo, e mesmo da maneira como o autor dá tratamento às diversas formas especificas de produções ideais, cumpre passa ao entendimento do jornalismo como uma destas.

O jornalismo como forma específica de produção ideal


Para empreender tal reflexão, é útil iniciar com algumas considerações de Adelmo Genro Filho, teórico da comunicação e do jornalismo cuja aproximação com relação à obra marxiana é apresentada principalmente em O Segredo da Pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo, estudo de 1987.

É com o objetivo de realizar asserções sobre a teorização funcionalista do jornalismo que Genro Filho avança em suas formulações. Na visão funcionalista, aponta o autor, o conhecimento produzido pelo jornalismo é um “mero reflexo empírico e necessariamente acrítico, cuja função é somente integrar os indivíduos no ‘status quo’, situá-lo e adaptá-lo na organicidade social vigente” (GENRO, 1987 p.27). Desta forma, o conceito de conhecimento fica “limitado ao seu sentido vulgar de ‘reflexo’ subjetivo de uma relação meramente operacional com o mundo” (GENRO, 1987, p.27).

Contrapondo-se a tal caracterização, Adelmo expõe outra concepção de jornalismo, associando-o a uma “dimensão simbólica do processo global de apropriação coletiva da realidade” (GENRO, 1987, p. 27), o que permite “conceber o jornalismo como uma das modalidades partícipes desse processo e, igualmente, atravessado por contradições” (GENRO, 1987, p. 27).

Para Adelmo, “o jornalismo é uma forma social de conhecimento (...) cristalizado no singular” (MEDITSCH, 1990, p. 29), ou seja, uma forma de conhecimento desenvolvida no interior do tecido social, cujo objeto não é senão o caráter singular da atividade produtiva humana. E, enquanto tal, o jornalismo é um instrumento de apropriação simbólica de uma dada realidade que, por lidar com esta efetividade material, objetiva, configura-se como uma forma específica de formação ideal “articulada à autoprodução histórica do homem”, situando-se, desta forma, “no âmago da atividade prática coletiva, da produção social do conhecimento que emana dessa atividade e, ao mesmo tempo, a pressupõe”, (MEDITSCH, 1990, p. 29) não se reduzindo a uma expressão passiva, nem a uma ratificação necessária de tal contexto. Podendo, ao invés disso, servir para questioná-lo.

Vale destacar o caráter social do jornalismo, ou seja, sua determinação prática, material pelo processo de produção concretamente interativa da vida humana. No texto intitulado O jornalismo como forma de conhecimento de Eduardo Meditsch, este autor, ao fazer considerações sobre do trabalho de Genro Filho, expõe tal caráter social determinante sobre o jornalismo.

O jornalismo é uma forma de conhecimento que surge, historicamente, com base no desenvolvimento das relações capitalistas e com base na indústria. Adelmo atribui ao desenvolvimento do capitalismo o fato de a sociedade haver se tornado um sistema único universal, um sistema cambiante e dinâmico. O capitalismo é o primeiro sistema na história humana que tornou a humanidade um gênero efetivamente interligado a nível internacional. O gênero humano se tornou um todo interdependente, formando um sistema só. Esse sistema único gerou a necessidade do jornalismo (MEDITCH, 1990, p. 29-30).

Ou seja, a transformação do indivíduo em um indivíduo global, da realidade imediata em realidade genérica, tendo como base desta universalidade o desenvolvimento industrial, foram as condições materiais que possibilitaram o surgimento do jornalismo.

Outra abordagem desta questão é exercida por Ciro Marcondes filho, que concebe o jornalismo, portanto, como uma ferramenta de reprodução do status quo, e não reconhece na prática jornalística qualquer possibilidade de atuação pela emancipação humana. Citando Marcondes Filho, diz Genro Filho:

O aparecimento do jornal está subordinado ao desenvolvimento da economia de mercado e das leis de circulação econômica. Ou seja, o jornal surge como o instrumento de que o capitalismo financeiro e comercial precisava para fazer que as mercadorias fluíssem mais rapidamente e as informações sobre exportações, importações e movimento do capital chegassem mais depressa e mais diretamente aos componentes do circuito comercial (MARCONDES citado por GENRO, 1987, p. 108).

Trazendo à tona um sério equívoco presente em tais considerações acerca do jornalismo, Genro Filho aponta que “o problema é que essa tese, correta em seu sentido geral, vale tanto para o jornalismo como para o telégrafo, o automóvel, a televisão, a estrada de ferro, etc.” (GENRO, 1987, p. 108).

Para Marx, mesmo estando a produção ideal condicionada a uma dada realidade material, ela não está estritamente determinado pelas condições, alienantes ou não, do sistema social em questão, podendo se produzir via o questionamento de suas contradições, em meio à ação concreta com vistas à sua superação, o que evidencia mais uma vez o papel ativo e potencialmente revolucionário do pensamento. Idéia que pode e deve ser tomada de modo suficientemente amplo para envolver o pensamento do jornalista e o discurso pelo qual ele se expressa.

Certamente o leitor pode ressentir-se de falta de considerações de Marx acerca da imprensa elaboradas já em um período em que o autor já tenha desenvolvido pelo menos os pressupostos mais fundamentos de sua filosofia própria. Mas, como o autor não as produziu, tal caracterização terá que ser feita mais adiante com base nos textos jornalísticos do autor e não em qualquer consideração que tenha feito acerca da atividade jornalística. E essa caracterização deverá contar também, como já se antecipou, com elaborações de autores que pensaram sobre o tema a partir de lineamentos legados pela obra autêntica do autor.

Cumpre, portanto, partimos para o entendimento das abordagens exercidas sobre dois conceitos fundamentais à prática jornalística: objetividade e parcialidade. Ambos vêm sendo tratados de maneira inconsistente por parte de alguns teóricos da comunicação, mesmo aqueles que pretensamente são simpáticos ao pensamento de Marx, como é o caso de Ciro Marcondes Filho, que ao adotar uma postura próxima da perspectiva funcionalista, concebe os dois conceitos como sendo antônimos entre si, associando-o à idéia de neutralidade na produção jornalística, e negando-a juntamente com essa última. Deste modo, o autor distancia-se do que aqui se defende como uma leitura genuinamente marxiana do processo de produção do pensamento e do conhecimento em geral, bem como especificamente do pensamento e do conhecimento característicos do jornalista.

Deste modo, mostra como medida recomendável o afastamento com relação à obra de Marcondes Filho, ao invés de sua adoção como referência. Afastar-se dela é condição para um efetivo distanciamento das abordagens usuais acerca dos conceitos em questão, que aqui se pretende efetuar partindo-se inicialmente do pensamento marxiano sobre as formações ideais para discutir em seguida o caráter objetivo e parcial da produção jornalística de Marx, à luz também de desdobramentos de sua obra, empreendidos por outros autores.

Para o professor Leônidas de Faria,

Podem ser feitas várias abordagens de um mesmo objeto, sendo que todas elas parciais, tanto por serem limitadas como por serem movidas por interesses, sem que deixem de ser objetivas, isto é, que deixem de captar algo que de fato esteja no próprio objeto abordado. (FARIA, 2007, p. 157)

Na seção intitulada “Preceitos para a boa prática comunicacional”, Faria trata a objetividade e a parcialidade como requisitos à prática da comunicação:

Tais requisitos para a prática louvável do comunicador social (especialista ou não) são a objetividade e a parcialidade. Assim, mesmo que não almeje a transformação profunda da sociedade nem acredite em sua possibilidade, mas tenha uma legítima intenção de contribuir para o seu bem, o comunicador social tem como condição para a sua prática correta a apresentação objetiva dos fatos, embora nunca em sua integralidade, bem como a assunção explícita de um posicionamento com relação aos mesmos. (FARIA, 2007, p. 155)

Cabe reproduzir a nota referente ao trecho citado acima em que o autor apresenta uma idéia fundamental para a compreensão dos conceitos em questão: a dissociação necessária entre os conceitos de objetividade e imparcialidade:

é necessário ao leitor notar que não se defende (...) a necessidade de imparcialidade, associando-a, como tradicionalmente se faz, à objetividade; ao contrário, associa-se objetividade à parcialidade, esta última tanto no sentido de incompletude como no sentido de tomada de partido, (...) e a primeira como captura efetiva de qualidades do objeto pelo sujeito que o aborda cognitivamente” (FARIA, 2007, p. 160).

Para o autor, o discurso objetivo está associado a expressar algo verdadeiro sobre o objeto, “evitando expressar o que o objeto não é” (FARIA, 2007, p. 157)

Segundo aqui se defende, portanto, um discurso objetivo não é aquele que expressa dado objeto em sua integralidade (o que, como se viu, é impossível), mas aquele em que se expressa algo verdadeiro sobre o objeto, evitando expressar o que este objeto não é. Assim, quando se profere um discurso objetivo, não se diz tudo do objeto, mas diz-se aquilo que responde de fato à pergunta feita a seu respeito, evitando a sua mescla com elementos enganosos acerca do objeto (FARIA, 2007, p. 157-158).

Já a parcialidade é tratada pelo professor como uma característica intrínseca à produção jornalística e podem ser observadas tanto no sentido à impossibilidade de se descrever um fato, ou um objeto em sua integralidade, devendo ser um relato, portanto, sempre parcial, quanto no sentido da tomada explícita de partido, já que toda exploração de um fato, ou de um objeto é interessada, não havendo, portanto, indiferença do comunicador com o que está sendo explorado.

(...) restringe-se aqui à recomendação de que o comunicador social explicite o recorte feito e suas intenções ao fazer tal recorte, para que a seu público não fiquem omissas suas intenções, bem como os elementos que não se levaram em conta em sua comunicação, podendo esse público avaliar sua pertinência. Ir mais adiante e exigir total imparcialidade de um comunicador é exigir-lhe indiferença com relação àquilo que transmite; mas, se a informação etc. lhe for indiferente, não terá como despertar-lhe o ímpeto em explorá-la e difundi-la. Pedir que um comunicador seja totalmente imparcial é pedir-lhe não só que deixe de ser comunicador, mas também que deixe de ser humano – por demandar-lhe a superação da motivação, do interesse em suas abordagens do mundo, bem como por demandar-lhe a superação cabal de suas limitações sensoriais (FARIA, 2007, p. 156).

Segundo Liriam Sponholz, “O fato de um jornalista não ter uma opinião sobre o tema ou abdicar desta não torna necessariamente o seu trabalho mais objetivo”, de modo que “a postura de um repórter que noticia sobre um genocídio sem se alterar, sem tomar uma posição, não é objetiva, é desumana” (2003, p. 120).

Desenvolvidos os conceitos fundamentais para a execução da proposta central deste trabalho, passa-se à sua efetiva execução, que consiste em utilizar das categorias conceituais aqui desenvolvidas para parametrar a análise da obra jornalística de Karl Marx.


Marx jornalista


O filósofo alemão Karl Heinrich Marx, nascido 1818 e formado em direito pela Universidade de Berlim é um dos mais importantes e efetivamente impactantes pensadores da história foi um dos mais fecundos jornalistas que já se conheceu – embora, como muitos justificadamente ressentem, tenha sido pouco conhecido.

Em 1848, fase de grande explosão revolucionária em toda a Europa, Marx retorna da França para a Alemanha, onde funda na cidade de Colônia a Nova Gazeta Renana (com referência à velha Gazeta Renana, suprimida pelo governo prussiano em 1843), na intenção de intervir de forma imediata no processo revolucionário vivido pelo povo alemão naquele ano. A série de artigos publicados ali foram mais tarde reunidos e publicados sob o título de A Burguesia e a contra-revolução.

Logo nas primeiras palavras de Marx, no primeiro artigo, publicado no dia 10 de dezembro de 1848, é apresentado o caráter parcial da obra do autor, presente em todo o conteúdo analisado neste trabalho: “Jamais o escondemos. Nosso terreno não é o terreno do direito (Rechtsbodem), é o terreno revolucionário” (MARX, 1993, p. 43). Mais adiante, Marx explica ainda com mais clareza a diferença entre o posicionamento defendido na Nova Gazeta Renana e por demais classes partícipes deste processo: “Em uma palavra, o ‘terreno do direito’ significava que a burguesia, depois de março, queria negociar com a Coroa no mesmo pé que antes de março, como se não tivesse havido nenhuma revolução (...)” (MARX, 1993, p. 67).

Além do evidente caráter prático da obra jornalística de Marx, outro elemento bastante presente nos textos do autor é a necessidade do resgate histórico sempre previamente à análise dos fatos contemporâneos, o que já se evidenciou acima. Nada de estranho, já que, como afirma Friedrich Engels na sua introdução de 1895 para a reedição de As lutas de classes na França, a concepção materialista histórica de Marx é base para suas formulações nos artigos da Nova Gazeta Renana sobre os acontecimentos da época. Além disso, Marx busca exemplificar as suas concepções sobre momentos históricos distintos vividos por países também distintos.

As revoluções de 1648 e de 1789 não foram as revoluções inglesas ou francesas, foram revoluções de tipo (Stils) europeu. Não foram o triunfo de uma determinada classe da sociedade sobre a velha ordem política; foram a proclamação da ordem política para a nova sociedade européia. Nelas, triunfou a burguesia; mas o triunfo da burguesia foi então o triunfo de uma nova ordem social, o triunfo da propriedade burguesa sobre a propriedade feudal, da nacionalidade sobre o provincianismo, da concorrência sobre o corporativismo da partilha sobre o morgadio, do domínio do proprietário da terra sobre a dominação do proprietário através da terra, do esclarecimento sobre a superstição, da família sobre o nome de família, da indústria sobre a preguiça heróica, do direito burguês sobre os privilégios medievais. A revolução de 1648 foi o triunfo do século XVII sobre o século XVI, a revolução de 1789 o triunfo do século XVIII sobre o século XVII. Estas revoluções exprimiam ainda mais as necessidades do mundo de então do que das partes do mundo onde tinham ocorrido, Inglaterra e França. (MARX, 1993, p. 56)

Cabe aqui reproduzir uma passagem em que Marx cita parte do programa do Ministério Hansemann, poder instituído posteriormente à revolução de março, para, em seguida, dar vazão às suas impiedosas críticas, evidenciando que o caráter sintético da contextualização não impede que as circunstâncias sejam trazidas à luz sempre que necessário.

“A monarquia constitucional na base um sistema bicameral e o exercício comum do poder legislativo através das duas Câmaras e da Coroa” – foi a esta fórmula seca que ele reduziu a expressão arcana de seu entusiasta predecessor. “Modificação das condições mais essenciais, incompatíveis com a nova ordem estatal, liberação da propriedade dos vínculos que paralisam seu uso vantajoso em grande parte da monarquia, reorganização do sistema judiciário, reforma da legislação fiscal, em particular a abolição das insenções de impostos etc.” e, sobretudo, “fortalecimento do poder estatal, necessário à tutela da liberdade conquistada (pelos burgueses) “contra a reação” (desfrute da liberdade no interesse dos feudais) “e contra a anarquia” (desfrute da liberdade no interesse popular) “e para o restabelecimento da confiança perdida”, - esse era o programa ministerial, esse era o programa da burguesia prussiana que chegara ao ministério, da qual o representante clássico é Hansemann (MARX, 1993, p. 74)

Ainda se atendo às palavras impressas no programa revolucionário do Ministério Hansemann, Marx segue adiante e aborda o desenvolvimento dos interesses da classe burguesa prussiana, fundamental para o entendimento das causas daquela época, imediatas do processo revolucionário.

Então se tratava da confiança que dá dinheiro, desta vez da confiança que faz dinheiro; lá da confiança feudal, da devota confiança em Deus, no rei e na pátria, aqui da confiança burguesa, da confiança no comércio e no tráfico, no rendimento do capital, na solvência dos parceiros de negócio, da confiança comercial; não se trata de fé, amor, esperança, mas crédito (MARX, 1993, p. 74-75)

E prossegue abordando as formas de contensões de possíveis e iminentes sublevações de outras classes, a saber, a classe proletária e democrática burguesa, ainda baseando-se nas palavras de sua principal fonte de informações para tal: o programa aplicado pelo Ministério Hansemann.

O crédito repousa sobre a certeza de que a exploração do trabalho assalariado pelo capital, do proletariado pela burguesia, dos pequeno-burgueses pelos grandes burgueses prossiga do modo habitual. Toda a movimentação política do proletariado, de qualquer natureza, mesmo se dirigida diretamente pela burguesia, perturbada a confiança, o crédito. “Restabelecimento da confiança perdida!” significa, portanto, na boca de Hansemann: repressão de qualquer movimento político do proletariado e de todas as camadas sociais cujos interesses não coincidam diretamente com os interesses da classe que, segundo sua opinião, se encontra no leme do estado (MARX, 1993, p. 75)

Desta maneira, e sempre conservando o caráter revolucionário, portanto, parcial de sua obra, Marx trata em seguida da questão dos trabalhadores frente ao Ministério Hansemann.

Aos trabalhadores, Hansemann se explicou com muita concisão: tinha para eles um grande remédio no bolso. Mas, antes de o poder tirar, precisava, acima de tudo, que a “confiança perdida” fosse restabelecida. Para restabelecer a confiança da classe trabalhadora deve pôr fim à sua politização e à sua ingerência nos negócios do estado e retornar aos seus velhos hábitos. Se ela seguisse seu conselho, se a confiança fosse restabelecida, o grande remédio misterioso em todo o caso já teria sido eficaz, só pelo fato de que não mais seria necessário ou aplicável, pois, neste caso, a doença, a perturbação da ordem burguesa, já estaria eliminada. Então, por que remédios, se não há doenças? Mas se o povo teimar, pois bem, então reforçará o “poder estatal”, a polícia, o exército, os tribunais, a burocracia, açulará contra eles seus ursos, porque a “confiança” terá se transformado numa “questão de dinheiro” (...) (MARX, 1993, p. 76)

Percebe-se, portanto, que no decorrer do seu trabalho na Nova Gazeta Renana e desde o início dela, Marx procura deixar claro o caráter parcial da mesma, posicionando-se sempre ao lado da classe proletária, deixada à margem das discussões sobre a nova sociedade alemã. É valiosa a compreensão de que a maneira radicalmente parcial, no sentido estrito[2], da abordagem de Marx, não compromete a veracidade das questões tratadas por ele, sendo de fácil percepção graças à utilização de elementos históricos e documentos inegáveis como fundamentação do seu trabalho. Trabalho este, portanto, parcial, e ao mesmo tempo objetivo: qualidades que se mostram compatíveis, contrariando usuais considerações e reforçando a idéia defendida neste estudo.

Três anos mais tarde, em 1852, e já na Inglaterra, Marx redige outra série de artigos produzidos para o jornal norte-americano A Tribuna de Nova Iorque, intitulados mais tarde Revolução e contra-revolução. Enquanto o trabalho da Nova Gazeta Renana objetivava a intervenção imediata no processo revolucionário de 48 e destinava-se à leitura pelo povo alemão, mais especificamente pelo proletariado em formação na Alemanha, os presentes textos destinam-se a uma sociedade não integrante deste processo, noutro tempo, e objetiva, segundo o próprio Marx, analisar o processo ocorrido para que sirva “de norte para calcular a direção” (MARX, 1971, p. 20) dos próximos períodos históricos da Alemanha, o que se caracteriza como uma finalidade prática também, evidenciando mais um aspecto de sua parcialidade.

Se procurarmos demonstrar aos leitores de A Tribuna as causas que, exigindo se verificasse a revolução germânica de 1848, conduziram quase inevitavelmente à momentânea repressão de 1849 e 1850, não esperaremos fazer aqui uma história completa dos sucessos que ocorreram nesse país. Factos posteriores e o juízo das gerações vindouras decidirão qual parte daquela massa confusa de circunstâncias acidentais e quais os factos desconexos e incongruentes que hão de tomar parte na história do mundo. O momento para tal definição ainda não chegou; devemos limitar-nos ao que se nos afigura possível e satisfazermo-nos com isso se podemos encontrar causas racionais, baseadas em factos insuspeitos, que possam explicar os acontecimentos de maior importância, as principais virtudes daquele movimento, acabando por se achar um norte que nos sirva para calcular a direcção que a próxima e talvez não muito distante explosão há de imprimir no povo alemão. (MARX, 1971, p. 20)

Há que se destacar a cautela do autor ao não propor uma “história completa” dos fatos ocorridos na Alemanha, demonstrando um outro sentido para o conceito de parcialidade, ou impossibilidade de conhecimento de um dado objeto em sua totalidade. Vale dizer do senso de oportunidade destacado pelo autor ao dizer que “o momento para tal definição ainda não chegou”, demonstrando o propósito dos artigos: preparar para o esse momento.

E novamente demonstrando o caráter parcial da obra jornalística de Marx, ele procura colocar como objeto central do seu trabalho a questão da classe proletária, extraindo da realidade elementos que possam contribuir para a luta pela emancipação humana.

A classe trabalhadora na Alemanha, no seu desenvolvimento social e político, está tão distante da da Inglaterra e França, como a burguesia alemã o está a respeito dessas duas nações. Para tal senhor, tal criado. A evolução dos meios de existência de um numeroso proletariado, forte e concentrado, corre a par com a evolução dos meios de existência de uma classe média rica, concentrada e poderosa. O movimento da classe trabalhadora por si só nunca é independente e nunca se revela com um carácter exclusivamente proletário, até que todos os diferentes elementos da classe média, e especialmente o seu elemento mais progressivo, ou seja, o dos grandes fabricantes, tenha conquistado o poder político e constituído o Estado para satisfazer as suas necessidades. Nessa altura, torna-se forçoso o conflito entre o patrão e o trabalhador, que não pode ser adiado por mais tempo; nessa altura, já a classe trabalhadora se não pode satisfazer com risonhas esperanças e promessas que nunca hão de ser cumpridas e é quando o grande problema do século XIX, a abolição do proletariado, surge vigoroso à luz do dia. Na época a que nos referimos, a grande massa da classe trabalhadora na Alemanha estava já utilizada não pelos modernos fabricantes, dos quais a Grã-Bretanha nos dá tão brilhantes exemplos, mas por pequenos comerciantes, cujo sistema industrial não é mais do que uma cópia do que acontecia na Idade Média. E tal como existe uma enorme diferença entre o grande lorde fabricante de algodão e entre o miserável sapateiro ou mestre-alfaiate, também existe essa diferença entre a forma de fabrico da maior das modernas Babilônias industriais e o carpinteiro e o oficial de alfaiate de uma aldeia pequena, que vive em idênticas circunstâncias e trabalha, mais ou menos, como os seus congêneres desde há quinhentos anos. Esta ausência total de condições modernas para a vida e de formas modernas na produção industrial estava acompanhada por uma ausência semelhante de idéias modernas e, por conseguinte, não se deve estranhar se no princípio da Revolução uma grande maioria da classe trabalhadora clamava pelo restabelecimento imediato dos privilegiados grêmios medievais. Claro, nas zonas fabris em que o sistema de produção predominava, em conseqüência também da facilidade dos meios de comunicação e do desenvolvimento mental obtido pela vida errante e aventureira de uma grande parte dos operários , existia um forte núcleo com consciência própria, cujas idéias acerca da emancipação da sua classe eram mais claras e estavam mais de acordo com as circunstâncias actuais e as necessidades históricas; mas não constituíam mais do que uma exígua minoria. (MARX, 1971, p. 25-26)

E ainda se atendo à questão da classe trabalhadora, Marx discorre sobre a reação das outras classes diante da iminência de ações anárquicas, como as ocorridas anteriormente em Paris, no início da chamada “Primavera dos Povos”.

O perigo de que se repetissem as cenas anárquicas da revolução de Paris aproximava-se. Em face de tal perigo, desapareciam todas as antigas diferenças. Contra o trabalhador, que na verdade ainda não tinha pedido nada para si, uniu-se a burguesia e os defensores do sistema derrubado e esta aliança foi levada a efeito diante das barricadas. Outorgaram-se as concessões mais indispensáveis e formou-se um governo composto dos elementos da oposição que mais se tinham distinguido na “Dieta Unida” e em recompensa dos seus serviços para salvar a Coroa contaria com o apoio de quantos defenderam o anterior governo: a aristocracia feudal, a burocracia e o exército. Foram estas as condições sob as quais Champhausen e Hansemann se prestavam para fazer parte desse governo.


Conclusão


Vimos inicialmente neste trabalho, através de estudos de parte da obra filosófica de Marx, a determinação social do pensamento e o caráter prático, ativo, das formações ideais que orientam a prática.

Foi através da crítica a Hegel, Proudhon, e aos neo-hegelianos que Marx desenvolveu seu pensamento materialista-histórico que serviu de fundamento indispensável para o entendimento do jornalismo como uma destas formas específicas de produção de conhecimento humano e de orientação prática.

Como visto, o jornalismo é uma forma de conhecimento, com a particularidade de ter como objeto o caráter singular da atividade produtiva humana. Tal formação ideal também é desenvolvida num dado tecido social, de acordo as necessidades existentes e condicionadas à lógica econômica e social deste mesmo tecido.

Há que recordar ainda o caráter necessariamente prático das formações ideais, compreendendo, portanto, o jornalismo, e que nos orienta pensá-lo como uma produção necessariamente parcial, seja pela reprodução ou pelo combate à lógica existente.

Após considerações sobre a determinação social do jornalismo, pudemos fazer um desdobramento de dois conceitos permanentemente discutidos pelos estudos da comunicação: objetividade e parcialidade, conceitos que vinham sendo tratados por grande parte das teorias da comunicação de maneira distinta deste trabalho.

Percebemos inicialmente o caráter parcial essencial à produção jornalística. Neste caso, faz-se referência à parcialidade tanto no sentido da impossibilidade de apreensão da totalidade de elementos que compõem um objeto, ou fato, como a tomada de partido por parte do jornalista. Esta última torna-se, além de tudo, recomendável, uma vez entendido que o processo de produção do jornalismo é praticado por um sujeito que possui, além da qualidade de jornalista, uma série de outras dimensões de sua individualidade, que contribuem para compor o seu relato, o seu discurso, subsidiando sua intervenção.

Desta forma, coube a nós concluir que a objetividade da produção jornalística não mais se apresenta como oposto à parcialidade, como afirmam alguns teóricos. Objetividade se relaciona, como aqui se defende, com a veracidade dos elementos expostos pelo jornalista sobre um fato, ou objeto, evitando imputar-lhe algo que seja falso, ou mesmo inexistente.

Por fim, pudemos apreciar duas importantes obras jornalísticas de Karl Marx. Nos dois textos analisados, salta aos olhos a tomada explícita de posicionamentos do autor quanto ao fato descrito. Mesmo sendo escritos em tempos e com objetivos diferentes, ambas as obras deixam clara a determinação social do jornalismo de Marx, que compõem a vasta produção de defesas dos interesses da classe proletária de todo o mundo, impulsionado pela questão universal da emancipação do homem com relação às problemáticas circunstâncias do sistema social capitalista. Não menos claro é o papel ativo das produções em questão, que visavam ora uma intervenção imediata no processo revolucionário de 1848 na Alemanha, ora buscar, dentro da história, elementos que pudessem num outro momento, impulsionar a classe trabalhadora a uma revolução social de caráter emancipatório.

A parcialidade dos relatos de Marx não compromete a objetividade das questões por ele abordadas. Ao contrário, a obra jornalística de Marx busca não somente compreender o fato atual, como comumente há se visto atualmente em grande parte dos notórios veículos de jornalismo. Marx procura esclarecer o processo histórico que envolve o desenvolvimento do mesmo fato.

Para finalizar, cumpre notar que todo o esforço deste trabalho é, portanto, determinado socialmente pela urgência do retorno ao pensamento de Marx nos estudos da comunicação. Igualmente, o presente trabalho possui, em sua gênese, o caráter prático de transformação das relações entre jornalismo e emancipação humana, buscando de fato a promoção desta última, motivação sem a qual grande parte dos estudos que envolveram esta pesquisa, inclusive a própria, jamais faria sentido algum.


Bibliografia

BARBOSA, Silvia. Crítica à especulação e determinação social do pensamento na obra marxiana de 1843 a 1848. 2001. 186 f. (Mestrado em Filosofia Social e Política) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.

FARIA, Leônidas Dias. Comunicação e Capitalismo: reprodução e combate. In. Revista Mediação/ Curso de Comunicação Social – Faculdade de Ciências Humana – Universidade Fumec. Ano 7, n. 6. Belo Horizonte, 2007.

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide - para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre, Tchê, 1987. 230 pp.

MARX, Karl. Revolução e Contra-Revolução. Tradução: Serafim Ferreira. Lisboa: Editora M. Rodrigues Xavier, 1971. 173 p (Coleção 70).

MARX, A Burguesia e a contra-revolução. Tradução: J. Chasin, M. Dolores Prades, Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Ensaio, 1987. 99 p.

MEDITSCH, Eduardo. O conhecimento do jornalismo, elo perdido no ensino da comunicação. São Paulo: USP/ECA, 1990. 177p. Dissertação (Mestrado, ECA/USP).

SPONHOLZ, Liriam. Objetividade em Jornalismo: uma perspectiva da teoria do conhecimento. In. Revista Famecos, n. 21. Porto Alegre, agosto 2003.

VAISMAN, Ester. A Usina Onto-societária do Pensamento. In. Ad Hominem, São Paulo, Vol. 1, fac. 1, p. 247-286, 1999.
Notas:

[1] Marxiano refere-se ao pensamento do próprio Karl Marx, e não de ditos continuadores de sua obra, o seria correto o emprego da palavra Marxista.
[2] Trata-se da tomada explícita de posição por parte do comunicador, como referido por Leônidas Faria, “trata-se de uma abordagem marcada por uma tendência voluntária, derivada de uma tomada de posição explícita, que pode ser justificada ou injustificada, sendo a possibilidade e o fato de justificar-se o que faz de uma abordagem desse tipo algo recomendável” (2007, p. 156)

ARTIGO: O jornalismo de uma fonte só.

Leonardo Fernandes

A prepotência e total desconhecimento histórico da revista VEJA é de provocar náuseas no leitor menos atento. A reportagem mal elaborada, editorializada e completamente empobrecida de fontes intitulada “Che: há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa” e publicada em meio às comemorações dos 40 anos da morte do revolucionário argentino, exprime a campanha fascista encabeçada pelo mau jornalismo que a decadente VEJA representa categoricamente. O desespero por levar a cabo sua estratégia mesquinha de destruir com a imagem do revolucionário argentino, faz com que a VEJA exalte suas fontes, em sua totalidade mercenários capitalistas, refugiados em Miami e responsáveis por incontáveis ataques terroristas que mataram diversos civis cubanos desde o triunfo revolucionário de cuba. A eles a VEJA dedica “grande credibilidade”, demonstrando sua conivência com quaisquer que sejam as práticas contra a liberdade.
A VEJA se veste de prepotência e recria a história de acordo com interesses escusos embutidos no seu discurso. Na história contada pela revista, a situação difícil vivida pelo povo cubano nada mais é do que um fracasso revolucionário; que resiste há quase 50 anos a um bloqueio econômico desumano imposto pelos Estados Unidos, sequer mencionado pela reportagem. Os EUA protagonizam sim a história contada pela VEJA, mas na condição de mocinho, justiceiro.
A VEJA utiliza o próprio Partido Comunista da Bolívia como fonte oficial de seu relato injurioso, correndo o risco do leitor desapercebido não notar que este Partido não passava de uma aproximação fiel com política imperialista e desumana do governo Stalinista Soviético, que por inúmeras vezes fora rechaçado por Che devido ao seu caráter contra-revolucionário.
Hoje, calçada na ignorância de uma legítima prática jornalística, a VEJA não só atenta contra a memória do Che, mas ataca o espírito de liberdade e humanismo que representa historicamente Guevara.
A VEJA não passa desapercebida aos olhos de muitos, que além de notar uma miserável prática jornalística, percebe uma campanha fascista de destruição de uma conquista histórica do povo cubano.
Sabemos que a menção realizada por Che ao “um, dois, três, muitos Vietnãs” faz referência à resistência do povo vietnamita à intentona desumana dos capitalistas norte-americanos em outros tempos, e não ao triunfo capitalista tão deliberadamente proposto pela VEJA.
Até mesmo um assassino fora capaz de manifestar em sua loucura a grandiosidade representada por Che: guardar as mãos por anos, daquele que Sartre e Beauvoir definiram, como a própria VEJA reconhece, como “o mais completo ser humano de nossa era”.
À VEJA as suas fontes, à nós as nossas! Cabe ao leitor julgar se a história de fato ocorre, ou se cabe a um veículo, da estirpe deste, recriar a história de acordo com os seus mais medíocres interesses.

CONTO: O Império do Pó

Leonardo Fernandes

Numa pacata região da província de Sanim Siareg, região montanhosa ao sudeste de Lisarb, uma grande descoberta mudou os rumos da história deste lugar. Uma família composta por sete pessoas chegou há alguns anos na região e desbravaram os caminhos da política local. Toda a riqueza da família “seven” (como se auto-denominavam por ser composta de sete pessoas) fora construída depois de uma grande descoberta empresarial: um pó branco, retirado das fezes do tucano (ave muito comum na região de Sanim Siareg) que ao ser ingerido provocava um sentimento de felicidade momentânea. O pó branco descoberto pela família “seven” era comercializado na região com o propósito de acabar com as mazelas sociais e aliviar as dores humanas.
A família “seven” possuía um discurso baseado nos princípios democráticos e somente por isso, convocava a província de quatro em quatro anos para uma espécie de assembléia popular, ou eleições, como queiram, para decidirem se o pó mágico do tucano ainda poderia ou não ser vendido livremente nos arredores de Sanim Siareg. O objetivo da família “seven” era sem dúvidas alguma disseminar seu poderoso pó por todo Lisarb, e assim conquistar o poder do país.
Havia então, nas mãos de apenas uma família, a fórmula mágica para a resolução dos problemas mais urgentes da sociedade, gerando assim mais e mais riquezas aos poderosos “seven”, donos da grande fórmula transformadora, responsável pela transição de uma sociedade multiprodutiva em uma sociedade baseada na monocultura de merda.
Para manter o monopólio da produção do pó, a família “seven” detinha além do pó, a produção das maiores empresas de abastecimento de todos os setores da província (as menores empresas eram de propriedade dos amigos da família que assim como a família “seven”, usufruíram dos grandes lucros oriundos do pó branco) e claro, dos meios de comunicação. Para aqueles que ousassem falar contra o Imperador, as punições eram severas, que variavam desde a pena capital, até o mais temido por todos, a proibição do consumo de pó.
O grande problema da genial descoberta da família “seven” era entender o que fazer então com todas as sobras da mão de obra rica que eles haviam descoberto e que nesta altura já estava sendo consumido de forma estouvada por toda a sociedade. A sociedade consumista, ingeria cada vez mais o pó branco das fezes dos tucanos, e aos poucos, além dos tucanos, foram desaparecendo também todo um tecido social.
As pessoas já não estavam mais interessadas no sentimento humano de coletividade e de fraternidade, afinal, somente o pó mágico das fezes do tucano seria capaz de lhes oferecer a felicidade de fato. Agora, este mesmo pó destrói a infra-estrutura social, deturpa os valores subjetivos desta sociedade e ainda os vicia de forma involuntária. Os homens desta sociedade vão às assembléias populares reivindicarem por mais e mais pó branco das fezes do tucano, afinal de contas “os seven”, os mesmos detentores de toda a história econômica de Sanim Siareg, fizeram esse povo acreditar que somente esta política social estava sim a caminho da felicidade plena. E a felicidade?... foi-se embora... junto com os tucanos.
Com a escassez de tucanos na província, o preço do pó branco das fezes do tucano passou a ser mais caro, e cada vez mais sua compra já não era mais possível pelas camadas mais pobres da população. Estas pessoas que já não consumiam mais o pó branco, exceto aqueles que morreram ou se mataram pela falta do pó, começaram a descobrir outro tipo de felicidade que passava a competir de forma firme com a prática da família “seven”.
Durante muitos anos a família “seven” consegue manter a população de Sanim Siareg sob o seu domínio, mas há rumores de que um movimento de resistência contra o império do pó toma frente numa luta massiva pela nova sociedade, para que enfim, a merda deixada pela família “seven” possa ser mandada para longe de Sanim Siareg, num lugar chamado airótsiH.