segunda-feira, 19 de novembro de 2007

CONTO: O Império do Pó

Leonardo Fernandes

Numa pacata região da província de Sanim Siareg, região montanhosa ao sudeste de Lisarb, uma grande descoberta mudou os rumos da história deste lugar. Uma família composta por sete pessoas chegou há alguns anos na região e desbravaram os caminhos da política local. Toda a riqueza da família “seven” (como se auto-denominavam por ser composta de sete pessoas) fora construída depois de uma grande descoberta empresarial: um pó branco, retirado das fezes do tucano (ave muito comum na região de Sanim Siareg) que ao ser ingerido provocava um sentimento de felicidade momentânea. O pó branco descoberto pela família “seven” era comercializado na região com o propósito de acabar com as mazelas sociais e aliviar as dores humanas.
A família “seven” possuía um discurso baseado nos princípios democráticos e somente por isso, convocava a província de quatro em quatro anos para uma espécie de assembléia popular, ou eleições, como queiram, para decidirem se o pó mágico do tucano ainda poderia ou não ser vendido livremente nos arredores de Sanim Siareg. O objetivo da família “seven” era sem dúvidas alguma disseminar seu poderoso pó por todo Lisarb, e assim conquistar o poder do país.
Havia então, nas mãos de apenas uma família, a fórmula mágica para a resolução dos problemas mais urgentes da sociedade, gerando assim mais e mais riquezas aos poderosos “seven”, donos da grande fórmula transformadora, responsável pela transição de uma sociedade multiprodutiva em uma sociedade baseada na monocultura de merda.
Para manter o monopólio da produção do pó, a família “seven” detinha além do pó, a produção das maiores empresas de abastecimento de todos os setores da província (as menores empresas eram de propriedade dos amigos da família que assim como a família “seven”, usufruíram dos grandes lucros oriundos do pó branco) e claro, dos meios de comunicação. Para aqueles que ousassem falar contra o Imperador, as punições eram severas, que variavam desde a pena capital, até o mais temido por todos, a proibição do consumo de pó.
O grande problema da genial descoberta da família “seven” era entender o que fazer então com todas as sobras da mão de obra rica que eles haviam descoberto e que nesta altura já estava sendo consumido de forma estouvada por toda a sociedade. A sociedade consumista, ingeria cada vez mais o pó branco das fezes dos tucanos, e aos poucos, além dos tucanos, foram desaparecendo também todo um tecido social.
As pessoas já não estavam mais interessadas no sentimento humano de coletividade e de fraternidade, afinal, somente o pó mágico das fezes do tucano seria capaz de lhes oferecer a felicidade de fato. Agora, este mesmo pó destrói a infra-estrutura social, deturpa os valores subjetivos desta sociedade e ainda os vicia de forma involuntária. Os homens desta sociedade vão às assembléias populares reivindicarem por mais e mais pó branco das fezes do tucano, afinal de contas “os seven”, os mesmos detentores de toda a história econômica de Sanim Siareg, fizeram esse povo acreditar que somente esta política social estava sim a caminho da felicidade plena. E a felicidade?... foi-se embora... junto com os tucanos.
Com a escassez de tucanos na província, o preço do pó branco das fezes do tucano passou a ser mais caro, e cada vez mais sua compra já não era mais possível pelas camadas mais pobres da população. Estas pessoas que já não consumiam mais o pó branco, exceto aqueles que morreram ou se mataram pela falta do pó, começaram a descobrir outro tipo de felicidade que passava a competir de forma firme com a prática da família “seven”.
Durante muitos anos a família “seven” consegue manter a população de Sanim Siareg sob o seu domínio, mas há rumores de que um movimento de resistência contra o império do pó toma frente numa luta massiva pela nova sociedade, para que enfim, a merda deixada pela família “seven” possa ser mandada para longe de Sanim Siareg, num lugar chamado airótsiH.

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