segunda-feira, 30 de junho de 2008

ENSAIO: 40 anos: 1968 e a tentativa de assalto ao céu

*Por Leonardo Fernandes e Lucas de Mendonça


O contexto mundial de 1968


Vinte e três anos após a derrota do nazi-fascismo pelas forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial, os países europeus conseguiram se reestruturar graças à realização de políticas econômicas de bem-estar social, conhecidas como Welfare State, diante da destruição provocada pelo conflito inter-imperialista global. Tais concessões às classes populares por parte dos Estados nacionais, foram necessárias para o restabelecimento da ordem capitalista, que se estenderam pelas sociedades européias ocidentais no período do pós-guerra.


Na Espanha franquista, o movimento estudantil se organizou em torno de mobilizações contra o autoritário governo monarquista. Na Polônia, é montada uma forte estratégia repressora e violenta pela ditadura soviética para afastar o movimento estudantil da classe trabalhadora. Na Itália, as revoltas estudantis se iniciaram em 1966. Métodos pedagógicos e tradições eram contestados nas universidades, várias ocupações e manifestações se deram com o “maggio rampante” italiano, que iria terminar somente no outono de 1969.


No Oriente, a tentativa da renovação do marxismo de inspiração soviética durante a Revolução Cultural da China, iniciada em 1966, persistiu sem sucesso, enquanto a União Soviética continuava sob a orientação do stalinismo de desenvolver o socialismo em um só país, reforçando o planejamento centralizado da economia e o controle político total da sociedade pelos representantes da burocracia estatal-monopartidária, contrariando radicalmente a proposta marxista original da necessidade da internacionalização da revolução socialista através da organização democrática dos próprios trabalhadores. No Leste europeu, onde ocorriam imposições de políticas econômicas da Rússia via Comecon (Conselho para Assistência Econômica Mútua), Alexander Dubček fora eleito como Primeiro Secretário do Comitê Central do Partido Comunista da antiga Tchecoslováquia, questionando a “cortina de ferro” russa e propondo reformas para a construção de “um socialismo com rosto humano”, na tentativa de reformar o Estado e as estruturas internas do Partido, no sentido de democratizá-los, em oposição ao autoritarismo e ao despotismo vigente.


Os EUA continuavam com a política econômica keynesiana, com forte presença e intervenção do Estado na economia, em plena Guerra Fria com a URSS e com a discriminação racial fortemente presente na vida dos americanos, o que culminou com o assassinato do líder do movimento de emancipação dos negros, Martin Luther King, no dia 4 de abril de 1968, no Tennessee, quando este defendia a “Campanha dos Pobres”, que tinha como objetivo a ajuda e assistência econômica às comunidades pobres dos EUA.


Nas Olimpíadas do México, no evento que ficou conhecido como “Massacre de Tlatelolco”, cerca de 500 jovens estudantes que lutavam por liberdades democráticas foram massacrados pelas forças do governo. Os atletas olímpicos estadunidenses Tommie Smith e John Carlos, ouro e bronze, respectivamente, nos 200 metros rasos, usavam luvas pretas nas mãos, levantaram para cima os punhos, cabisbaixos e realizaram o cumprimento Black Power, dos Panteras Negras, durante a premiação, o que os levou a serem afastados do Comitê Olímpico Norte Americano.


Enquanto isso, a brutalidade da política do governo estadunidense exterminava a população do Vietnã. Esta sociedade, que resistia armada na guerrilha comunista liderada por Ho Chi Minh pela libertação nacional da ocupação japonesa e a independência de sua metrópole, a França.


As imagens da sangrenta guerra imperialista contra o pobre país oriental correram o mundo, gerando mobilizações de grandes proporções e um sentimento antiguerra nos EUA e em todos os povos do mundo.


Os países periféricos do capitalismo imperialista das superpotências - conhecidos então como “Países do Terceiro Mundo” continuavam subordinados às grandes economias de países do norte (Primeiro Mundo), principalmente na África, Oriente e Extremo Oriente. A América Latina não fugia à regra. Os países latino-americanos seguiam, em sua maioria, subordinados ao imperialismo norte-americano com as sangrentas ditaduras militares que sufocavam todas as tentativas de transformação revolucionária antiautoritária, democráticas ou socialistas. Enquanto isso, no Brasil, o AI-5 - Ato Institucional Número Cinco - que fechava o Congresso Nacional por prazo indeterminado (no total, foi quase um ano) inaugurava um período em que o cerceamento e a supressão de liberdades democráticas passava a estar previsto em lei, bem como o terrorismo de Estado, que intensificou as torturas, os assassinatos, as prisões e os “desaparecimentos” de militantes.


Em meio à intensificação das políticas autoritárias na América Latina, a famosa e polêmica ilha caribenha, Cuba, continuava remando contra a maré capitalista ocidental em seu processo revolucionário de libertação nacional dos EUA e de tentativa de construção do socialismo, mesmo sob intensos ataques à sociedade cubana via utilização de ofensivas militares, políticas, ideológicas e o bloqueio econômico que permanece até hoje. Esta revolução inspirou grande parte dos movimentos libertários de todo o mundo, que propagou fotos em cartazes do falecido intelectual e guerrilheiro comunista internacionalista, Ernesto ‘Che’ Guevara, assassinado covardemente em 9 de outubro de 1967 por forças militares bolivianas orientadas pela CIA que o haviam capturado na selva.


Um mundo embalado ao som contestador do beatle, John Lennon. Um mundo com cheiro de pólvora e sangue fresco. Um mundo conectado pelo globalizante sistema de televisão, com olhos voltados para as guerras e opiniões divididas pela frieza de dois impérios. Em 1968, o céu estava vermelho.

A Primavera de Praga

A culta cidade de Praga, terra natal do escritor Franz Kafka, é tomada pelo descontentamento da intelectualidade com as políticas autoritárias do stalinismo praticado pelo Partido Comunista da Tchecoslováquia no governo do país, que retiravam todas as liberdades políticas, econômicas e artísticas que fossem contra a imponente ordem russa.


No Partido Comunista Tchecoslovaco, um grupo de intelectuais formulam propostas para promover a desestalinização do país, retirando os vestígios de autoritarismo e despotismo, considerados por Alexander Dubček, então secretário-geral do PCT, como aberrações no socialismo. Este líder político acreditava na possibilidade de uma economia coletivizada e uma política democrática aos moldes ocidentais. Sendo assim, a Constituição foi revista e seria garantida a liberdade de organização (fim do monopólio partidário), liberdade de imprensa, independência do poder judiciário e a retomada da tolerância à religião. A população apoiou as reformas e se organizou pela objetivação das medidas que promoveriam as liberdades civis e o processo de abertura política.


Em reação à luta popular, que contava com o apoio da classe operária tchecoslovaca e ficara conhecida como a “Primavera de Praga”, a burocracia da URSS, temendo perder o controle político-econômico sobre um país socialista independente e potencialmente influente, utilizou do Pacto de Varsóvia (firmado pelos principais países da URSS) para invadir a cidade de Praga com milhares de tanques, com fins de suprimir a situação revolucionária. Dubček foi enviado à Moscou e, em seguida, isolado do cenário político sendo forçado à renúncia. O massacre ali produzido fora assim como o de 1956, quando houve a invasão de tanques soviéticos na Hungria e na Polônia, na Comuna de Gdansk, onde classe operária e o movimento estudantil unidos lutavam pelo verdadeiro socialismo, com o poder democrático vindo dos conselhos operários e uma economia socializada e gerida pelos próprios trabalhadores.


A ditadura de um partido só, voltou a vigorar e, conseqüentemente, todas as reformas foram canceladas. Um jovem chamado Jan Palach ateou fogo sobre si mesmo em manifesto contra a perda das liberdades. Milan Kundera, escritor reconhecido internacionalmente, retrata no livro “A insustentável leveza do ser”, o romance de dois casais tchecoslovacos no contexto histórico deste ano em que os povos lutaram pela verdadeira liberdade.


O maio de 68 na França

As transformações culturais e demográficas provocas pelo período do pós-guerra na França marcaram a década de 60. Com uma população incrivelmente rejuvenescida após o que ficou conhecido como “baby boom”, a juventude adquiria uma força inédita nas relações sociais da França de 1968. Sufocada por um país ainda marcado por valores tradicionais e pela rígida moral francesa, a geração do “baby boom” aspirava autonomia, liberdade e emancipação.


Em 22 de março, após a prisão de um militante da Juventude Revolucionária Comunista durante uma manifestação contra a Guerra do Vietnã, um grupo de estudantes invadiu a reitoria da Universidade de Nanterre. O grupo ficaria conhecido como Movimento 22 de março, e teria como um dos seus líderes, o jovem franco-alemão Daniel Cohn-Bendit (conhecido como “le Rouge”, ou, “o Vermelho”), que hoje é membro do Partido Verde com mandato no Parlamento Europeu. A resposta do poder viria em 27 de abril com a prisão de Bendit e o fechamento da Universidade de Nanterre em principio de maio. A partir daí, o movimento tomou as ruas e as universidades de Paris, chegando ao seu ápice no dia 10 de maio, a famosa “noite das barricadas”, com forte enfrentamento dos jovens com a polícia francesa. O conflito estava explícito nas ruas de Paris, com bombas de gás lacrimogêneo vindo das forças reacionárias e paralelepípedos alçando vôos vindo das forças libertárias.


Os operários tomaram partido pela luta dos estudantes e centenas de fábricas foram ocupadas. No dia 13 de maio os trabalhadores convocam a greve geral, que levou cerca de 10 milhões de trabalhadores à paralisação. Diversos setores da sociedade francesa estavam de alguma forma ligados ao movimento que contestou o poder, as tradições e a cultura vigente, com várias intervenções com cartazes, boletins, jornais, grafites, frases de efeito e pixações, feitas por distintas organizações como os situacionistas e os anarquistas, agrupamentos trotskistas e maoístas e o enfrentamento direto com as forças do governo. O general veterano, Charles de Gaulle, então presidente, chegou a abandonar o país por um curto espaço de tempo, enquanto os estudantes declaravam a anarquia. O regime tremeu; porém, na volta do general De Gaulle, apoiado pelo exército, tudo iria mudar. O Partido Comunista Francês (PCF) e os sindicatos conclamavam os trabalhadores a voltar ao trabalho enquanto novas eleições foram convocadas. A vitória dos conservadores representou um fracasso pela falta de um projeto político revolucionário das organizações da esquerda francesa, que se encontrava sob hegemonia do PCF, de orientação stalinista.

O Brasil e a Passeata dos Cem Mil

Rio de Janeiro, 28 de março de 1968, morria o estudante secundarista Edson Luís durante uma repressão policial a um protesto em frente ao restaurante “Calabouço”. 50 mil pessoas, entre trabalhadores, estudantes, intelectuais e artistas, foram acompanhar o enterro do jovem. Desde o início da ditadura militar, os conflitos entre estudantes e as forças policiais eram diárias nas ruas das principais cidades do país. No início desta guerra ao regime, a juventude configurava a mais forte oposição aos militares, dado que os políticos progressistas haviam sido cassados.


Em 26 de junho, foi realizada a Passeata dos Cem Mil, que contou com a adesão de parte dos setores religiosos, que exigiu o fim da censura, a redemocratização e o fim da repressão militar. A reação veio com o Comando de Caça aos Comunistas, o CCC, grupo de extrema-direita que, apoiado pelo regime militar caçava, atacava, torturava e assassinava qualquer sujeito considerado subversivo, entre eles, jornalistas, atores, músicos, líderes estudantis, intelectuais.
Mesmo com a proibição de greves durante o período de ditadura militar, a classe operária mostrava sua força perante o regime com as grandes greves dos metalúrgicos em Osasco/SP, que só terminaram com a invasão de tanques do exército e a paralisação e ocupação de fábricas realizadas por 16 mil operários, em Contagem/MG.


Os estudantes tentavam se rearticular. Em outubro, no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) 1.200 estudantes foram presos, gerando mobilizações em todo o país. O coroamento do poder militar veio em 13 de dezembro com o Ato Institucional Número 5, o AI-5, que decretou o fechamento do Congresso Nacional e tornou legal a legislação por decreto-lei. Pode-se dizer que o ano de 1968 começou no Brasil em 28 de março e terminou em 13 de dezembro, quando todas as liberdades foram de uma só vez aniquiladas pelo poder autoritário.


A próxima movimentação de massas no Brasil viria a ocorrer somente em 1970, com o início do ciclo de lutas operárias no ABC paulista e com o movimento “Diretas Já”. Estas lutas culminaram com as concessões dos militares para o processo de redemocratização do Brasil, com a Constituinte, e as eleições diretas de 1985, dando início aos anos 90, marcados pelo triunfo da política neoliberal. A retomada neoliberal marcou uma profunda apatia política, que dura até hoje nos diversos setores da sociedade brasileira.

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